Há dois anos, quando trocou a cidade paranaense de Maringá por
Novo Horizonte, a cerca de 400 quilômetros de São Paulo, a confeiteira Cristina
Luna tinha uma grande preocupação em mente: a educação dos quatro filhos.
Ananda, de 12 anos, mais velha da prole, teria de deixar a escola-modelo que
frequentava, mantida pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e famosa pelo
rigor e excelência. "Tive medo de optar por uma escola municipal em Novo
Horizonte e não conseguir o mesmo nível de educação", lembra Cristina. O
receio era justificado. Ao contrário da cidade paranaense, Novo Horizonte não
possui uma das chamadas escolas-modelo, instituições que se destacam das demais
pela qualidade. Cristina logo descobriu, porém, que o município paulista tinha
algo mais valioso a oferecer: uma rede que, se ainda não é modelo, caminha
nessa direção. Hoje, os quatro filhos da confeiteira frequentam duas escolas da
rede, e a mãe não tem motivos para reclamar. Luiza, de 9 anos, exibe a
bicicleta que ganhou em um concurso de ortografia, enquanto o irmão Rodrigo, de
11, mostra orgulhoso as quatro medalhas que conquistou em competições
escolares.
Exemplos como o de Novo Horizonte são tão raros quando louváveis
no cenário da educação pública brasileira. Tanto assim que, a partir do ano que
vem, serão reconhecidos com um prêmio, o Prefeito Nota 10.
Criado pelo educador João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto
Alfa e Beto, o prêmio vai recompensar o município cuja rede de ensino tiver
obtido o melhor resultado na Prova Brasil — avaliação do Ministério da Educação
(MEC) que mede habilidades e competências em português e matemática de alunos
do 5º e 9º anos do ensino fundamental. "Vamos premiar o conjunto de
escolas. Não adianta ter uma escola boa se o resto da rede for ruim. Quero
ajudar a sociedade a entender que educação se faz em rede", diz Oliveira.
Disputarão o prêmio municípios com mais de 20.000 habitantes e com o mínimo de
300 alunos avaliados pela Prova Brasil. Além disso, pelo menos 70% dos
estudantes devem estar matriculados na rede municipal. O prêmio é de 200.000
reais.
O Prefeito Nota 10 só começa para valer em 2014. Se fosse
conferido agora, iria para Novo Horizonte. É o que revela a análise da Prova
Brasil de 2011, feita pela organização do Prefeito Nota 10 a pedido do site de
VEJA. Atendendo aos pré-requisitos citados acima, o município obteve na
avaliação o desempenho mais próximo do almejado pelo prêmio: ao menos 70% dos
estudantes da rede com aprendizado adequado à série que frequentam. Não deve
passar desapercebido o fato de que Novo Horizonte é a cidade que mais
perto chegou do objetivo, sem, contudo, atingi-lo. Isso revela o quanto o
ensino tem a evoluir no país.
Segundo especialistas, um conjunto de ações bem executadas
garante o avanço de Novo Horizonte rumo a uma educação universal de qualidade.
Entre elas, estão adoção de um currículo unificado, avaliação frequente de
alunos, cooperação para formação dos professores — e também avaliação dos
docentes —, incentivo à participação dos pais na vida escolar e combate a
fraquezas identificadas na rede. Esses pontos são alvo das reportagens que
VEJA.com publica durante esta semana, que procuram jogar luz sobre os métodos
de Novo Horizonte e discutir se a receita bem-sucedida pode ser reproduzida em
outras cidades.
Educadores e estudiosos sobre o assunto adiantam que a receita
só dá certo se a ela for acrescentada uma administração interessada e
competente — o que, em se tratando de redes públicas de ensino — envolve
obrigatoriamente política. "Pode soar óbvio, mas nenhuma fórmula secreta
funciona se não há no município uma gestão preocupada de fato com equidade e
qualidade", diz Priscilla Cruz, diretora-executiva da ONG Todos Pela
Educação. "A secretaria de educação precisa ter como filosofia central a
ideia de que nenhum grupo pode ser privilegiado e que todos, sem exceção,
precisam aprender. Por incrível que pareça, poucas cidades ainda enxergam isso
com clareza."
O secretário de Educação de Novo Horizonte, Paulo Magri, parece
ciente da missão. "Não me interessa ter uma escola excelente e outra ruim.
Enquanto existir diferença de aprendizado entre as unidades, a educação não vai
avançar", diz. Aos 50 anos, o professor formado em matemática completa em
2013 doze anos no cargo, algo incomum no Brasil, onde impera a troca a cada
eleição. Quando assumiu o posto, Magri tinha apenas creches e pré-escolas sob
sua tutela. Nos primeiros quatro anos de trabalho, ouviu inúmeras reclamações
contra o ensino oferecido pelas escolas estaduais presentes no município e
concluiu que poderia agir. Convenceu o prefeito e lançou-se ao desafio de
ensino fundamental, assumindo unidades que pertenciam ao estado. Hoje, gerencia
cinco escolas; outras três seguem estaduais. De acordo com o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador da qualidade do
setor no Brasil, o município é mais eficiente: as escolas da rede apresentam
média 34% superior à registrada pelas estaduais. "A comunidade pede pela
municipalização das três escolas restantes, mas por enquanto não temos essa
intenção", diz o secretário.
Colocar o ensino fundamental sob administração do poder local
não é assunto só em Novo Horizonte. É uma discussão do Brasil. Ao destacar
redes municipais bem-sucedidas, o prêmio Prefeito Nota 10 quer estimular a
municipalização dessa etapa de educação. Ou seja, colocar nas mãos dos
prefeitos a responsabilidade pela formação de 1º a 9º ano. A Constituição prevê
que o ensino infantil seja exclusividade do município; o médio, do estado. Já
em relação ao fundamental, a responsabilidade é compartilhada. Atualmente,
cerca de 70% das séries iniciais (1º a 5º ano) está sob o domínio das cidades –
onde se concentram os resultados menos desastrosos da educação brasileira. Nos
anos finais (6º a 9º ano), há uma divisão praticamente igualitária entre
estados e municípios. "Essa divisão é prejudicial para a educação. Se um
único gestor cuidasse do conjunto, seria mais fácil estabelecer um padrão de
atuação.
Além disso, o munícipe está mais próximo da prefeitura do que do
estado", diz Araujo e Oliveira, criador do Prefeito Nota 10.
Apesar de estar na dianteira entre as redes municipais, Novo
Horizonte ainda tem um longo caminho pela frente. Nos anos finais do ensino
fundamental, por exemplo, o número de alunos com aprendizado adequado ainda
pode ser considerado baixo — apesar de bem superior à média nacional. Nos anos
inicias, as notas de português ainda estão atrás das de matemática. Mesmo
assim, os resultados devem ser celebrados: em 2011, o Ideb da cidade
ultrapassou a média da rede privada brasileira — um feito e tanto. Fórmula
mágica não existe. O que Novo Horizonte tem feito é garantir eficiência a uma
receita simples e conhecida, que evita invencionices e preza o essencial.
"É isso que garante que todo e qualquer aluno tenha condições de dominar
os conteúdos básicos para desenvolver seus talentos individuais e
evoluir", diz Patrícia Guedes, especialista em gestão educacional da
Fundação Itaú Social.
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